Criando a próxima pandemia


Criando a próxima pandemia

Por: Sílvia Ribeiro * | Domingo, 26/04/2020 08:27


Essa pandemia causou a queda de muitos véus que ocultavam mecanismos perversos do sistema capitalista globalizado.

Um dos véus rasgados, revelando uma realidade fétida, é o papel do sistema agroindustrial de alimentos, o principal fator na produção de epidemias nas últimas décadas.

A criação industrial de animais em confinamento (aves, porcos, gado) é uma verdadeira fábrica de epidemias animais e humanas. Grandes concentrações de animais, aglomerados, geneticamente uniformes, com sistemas imunológicos enfraquecidos, aos quais os antibióticos são administrados continuamente, motivo pelo qual, segundo a OMS, eles são a principal causa de geração de resistência a antibióticos em escala global. Um terreno fértil perfeito para produzir mutações mais letais do vírus e bactérias resistentes a vários medicamentos aos antibióticos, que são distribuídos por todo o mundo com acordos de livre comércio.

O biólogo Rob Wallace, autor do livro Grandes fazendas produzem grandes gripes, documenta esse processo analisando surtos de novos vírus de origem animal, gripe aviária e suína, Ebola, Zika, HIV e outros. Muito disso se originou em incubatórios, outros em animais selvagens, como o novo coronavírus que vem dos morcegos. Estudos recentes indicam que não atingiu diretamente os seres humanos, mas havia intermediários. O sequenciamento genômico aponta aos pangolins, pequenos mamíferos asiáticos. Poderia ter sido outras, por exemplo, as mega fazendas de porcos que existem em Hubei, cuja província Wuhan é a capital.

Grain compilou dados sobre ele (https://tinyurl.com/ybdvmegz).

Quando o Covid-19 é detectado, as grandes fazendas de porcos da China são devastadas por outro vírus que afeta e mata milhões de porcos: a peste suína africana, que felizmente ainda não se transformou em vírus infeccioso para os seres humanos, mas cresce na China e na Europa (https://tinyurl.com/y9f98atd).

A relação entre pecuária industrial e epidemias-pandemias vai além dos grandes incubatórios. Como explico em outro artigo (Desinformemonos, https://tinyurl.com/ydenks9z), existem causas concomitantes: a criação massiva de animais convergem com a destruição de habitats naturais e da biodiversidade, que teriam funcionado como barreiras de contenção para a propagação de vírus em populações de animais selvagens.

Os principais culpados por essa destruição de ecossistemas são o sistema agroindustrial de alimentos como um todo, o crescimento urbano descontrolado e o avanço de megaprojetos para servir o primeiro, como mineração, rodovias e corredores comerciais, como o Corredor Transistêmico.

O sistema agroindustrial de alimentos desempenha o papel principal: de acordo com a FAO, a causa mais comum de desmatamento no mundo é a expansão da fronteira agrícola industrial. Na América Latina, causa 70% do desmatamento e no Brasil até 80%.

De todas as terras agrícolas do planeta, 78% (!) São usadas na indústria pecuária em larga escala: seja para pastagens ou forragem. Mais de 60% dos cereais plantados globalmente destinam-se à alimentação de animais em confinamento (ETC Group, https://tinyurl.com/y7lszo4n).

Em cada etapa da cadeia alimentar agroindustrial, 4-5 grandes transnacionais dominam mais de 50% do mercado global. (Ver fusões comestíveis, mapa do poder corporativo na cadeia alimentar,
Grupo ETC, 2020 https://tinyurl.com/y8bwd6k3).

Por exemplo, apenas três empresas (Tyson, EW Group e Hendrix) controlam todas as vendas de genética de aves no planeta. Outras três, metade de toda a genética suína. E umas poucas mais, a genética bovina. Isso causa um enorme uniformidade genética em incubatórios, o que facilita a transmissão e mutação de vírus.

O mesmo acontece com as empresas do comércio mundial de commodities agrícolas (grãos e oleaginosas), controladas quase inteiramente por seis empresas: Cargill, Cofco, ADM, Bunge, Wilmar International e Louis Dreyfus Co, que comercializam as forragens que vão para a criação industrial de animais, principalmente soja e milho transgênico.

Os maiores processadores de aves, suínos e bovinos atualmente são JBS, Tyson Foods, Cargill, WH Group-Smithfield e NH Foods. O Grupo WH, da China, é a maior empresa de carne suína do mundo e domina na América do Norte, proprietário da Carroll Farms, de onde se originou a gripe suína.

O caso da Cargill é significativo, por ser a maior empresa global no comércio de commodities agrícolas, passou de fornecer forragem a ser um criador, sendo a terceira empresa de carne do mundo (aves, porcos, vacas).

Apesar dos desastres causados ​​pela pandemia do Covid-19, essas empresas continuam suas atividades, produzindo a próxima pandemia, que pode até ocorrer enquanto a atual ainda estiver ativa.

É hora de acabar com esse sistema agro-alimentar absurdo e prejudicial, que apenas beneficia as empresas. É o principal fator da mudança climática e, apesar de usar 70 a 80% da terra, água e combustíveis para uso agrícola, eles alimentam apenas 30% da população mundial (ETC Group, https://tinyurl.com/ yxv3dz8s).


* Investigadora del Grupo ETC

fonte: https://www.aporrea.org/actualidad/a289762.html



 https://redlatinasinfronteras.wordpress.com/2020/04/27/gestando-la-proxima-pandemia/

Correção gramatical: Tacuabe Rebelde








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