Esquerdas Abstratas
Tacuabe Rebelde*
Em algum momento de nossas vidas, para @s que acreditamos - e para ser sincero, de forma relativa - na possibilidade de transformar os rumos tomados pelas sociedades humanas sob a coerção implacável do capitalismo, o pensamento abstrato das ideologias anticapitalistas acaba ultrapassando os limites da realidade. A óptica sul do continente latinoamericano, desde o processo de re-democratização (burguesa) na década de 80, mesmo que com todas as melhores das intenções, sempre foi uma práxis contaminada por essa cegueira aos fatos na aplicação subjetiva ou coletiva de seus questionamentos.
Tomando como referência o dito por Faundez no diálogo com Freire (em Por uma pedagogia da pergunta): "Éramos revolucionários em abstrato, não na vida cotidiana. Creio que a revolução começa justamente na revolução da vida cotidiana".
Tais desencontros entre o pensamento abstrato e a aplicação física, coerente, nos cenários, previstos ou inesperados, da dialética sócio-política comunitária e institucionalizada, nos coloca num quadro de contradição crítica. Especialmente diante do conjunto de regras morais que constituem a figura teórica de uma Ética transformadora anti- ou mesmo pós-capitalista.
Essa "Revolução da vida cotidiana" manifestada por Faundez, ao menos como interpreto, deveria ser tratada como uma mensagem do futuro, demonstrável de forma essencial e problematizadora mediante a dialética presente.
Metaforicamente, aqueles que aspiramos ser Revolucionári@s deveríamos nos comparar a uma semente em terreno árido, combatendo para sobreviver, crescer e se reproduzir, buscando uma existência transformadora. Em essência, coloca-nos frente a um novo e subjetivo comprometimento ético, capaz de uma profunda autocrítica.
Essa breve reflexão tem como origem minha participação direta, durante algumas décadas, em diferentes frentes de batalha da vida comunitária.
Nunca como observador - posição tática na qual diferentes setores teóricos da academia orbitam, guiad@s por programas governamentais ou ONGs com variados interesses, onde a maioria acaba se diluindo em círculos intelectuais de mera ostentação de Status, mediante críticas abstratas, desconectados das micro-políticas, e, sobretudo, insensíveis às dores no corpo e na alma dos sujeitos comunitários de suas teses.
A situação não é diferente em nível dos partidos autodenominados de esquerda, com a profissionalização da militância de outros tempos e a mercantilização do voto como troca de favores (prática histórica da direita): sua intervenção cria um campo de disputas nas áreas comunitárias onde o assistencialismo converte os territórios em um tipo de leilão, bem distante de qualquer de qualquer modelo transformador capaz de disputar e combater o Neoliberalismo fragmentador das sociedades, que dizer enfrentar o capitalismo em sua essência.
A prática desse tipo de assistencialismo tem sido, nestas últimas décadas, um fator tragicamente desvirtuante das ações sociais do progressismo, o veneno que mata um dos primeiros princípios do "Que Fazer" revolucionário, a Solidariedade.
Todos os dias, quando retorno aos sentidos da consciência os agentes sistêmicos da fragmentação social, do cansaço, da desesperança, do individualismo e do poder vêm bater a minha porta, sempre lhes dou a mesma resposta:
"Desculpem-me, hoje não posso atendê-los, estou muito ocupado construindo a Revolução".
*Agradeço as críticas e correções dos professores Jorge Quillfeldt e Sírio Lopez Velasco.
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