De Bolas e Bonecas.





No meu trânsito de algumas décadas pelo século XX por países do sul e suas regiões urbanas periféricas e rurais, somadas a minhas memórias da infância numa população humilde de baixa escolaridade e analfabetismo, me permitem associar este presente do século XXI a um sem fim de situações semelhantes as que me permito dizer de mesma origem.

Acho que posso começar com elementos práticos e bem conhecidos por todos nós, "De bolas e bonecas". Me lembro dos olhos de Ramosinho olhando para o campinho de Futebol onde jogamos bola com "Pinóquio", Rogério e outros guris do bairro e que de tanto em tanto o jogo era matizado pelos gritos da mãe dele: "deixa de olhar para a  bola e segue cortando lenha, que já está tarde, e ainda tem que trazer água, que teu pai ta chegando e vai tomar banho. A bola não te dá de comer".
No entanto a Sarita sentada na porta de sua casa, arrumava os vestidinhos das bonecas de trapo com um olho, e com outro no campinho, além de que as vezes se dava uma escapadinha até ouvir: Sarita, vem aqui, Menina não joga Futebol, termina de lavar a roupa de teus irmãos que depois tem que ir comprar pão antes que o "Tino"feche.¨ Tínhamos 10 anos de pura inocência, em um mundo onde os cabelos cumpridos eram pecado, quase uma forma de chamar ao preconceito enraizado numa sociedade submetida a grandes esforços e sacrifícios, educada para servir o latifúndio nas tarefas rurais e na mordomia urbana, em nome da Pátria, do macho forte de poucas palavras e da mulher obediente e serviçal circulando na obscuridade do lar e seus silêncios. Submissão herdada da educação patriarcal de sua família que conseguiu casar ela ao 15 anos com um  trabalhador  honesto que daria netos, sinônimos de vitória e prova da educação aplicada em prol de uma nova geração obediente.
Tempos que para a maioria nesse perfil geracional das regiões citadas, completar a primeira série era uma façanha e para os que conseguiram a formatura, um orgulho ao se poder oferecer diante os patrões das oligarquias exploratórias como "Alfabetizado".
Neste simples relato ao que posso denominar como "normal" dentro de uma sociedade "Cristã de bons costumes" metade século XX, podemos agregar um sem numero de aberrações e de auto mutilações sociais que nos retraem a histórias do medievo.
Exemplos observados nesse trânsito e alguns deles vivenciados.
Manter filhos e familiares deficientes recluídos sem ver a luz do dia, pelo medo a ser discriminado e envergonhar a família; abandonar recém nascidos de mães solteiras para não ser chamadas de "Prostitutas"e perder de usar o vestido branco na igreja, entre elas vítimas de estupro por parte dos filhotes dos oligarcas, e que os pais, por medo de ser excluídos dos trabalhos e perseguidos, deixavam em albergues, na rua e com famílias de bom passar econômico e até os comercializavam. Desestimular e discriminar as intenções dos filhos a estudar para que os conhecimentos não sobrepassem o poder Patriarcal da família como modelo superior e manter o controle sobre suas vidas, ao que agregamos a entrega de meninas em casamento a troca de benefícios econômicos.
De forma contundente, pode se afirmar que o transporte público da educação
confiada pela sociedade nas mãos do capitalismo e sua burguesia, deixou nas paradas do século XX gerações pós gerações abandonadas a sua sorte e as inclemências da "evolução" século XXI,  onde as quais respondem e resistem com a prática da barbárie suicida e induzida ao extermínio na versão do Neoliberalismo e suas tecnologias do mal.    

                                    

                                       
                                  

                                    "Se nossos filhos não superam nossas misérias e  mediocridades,   
                                          haveremos fracassado e sucumbido na nossa existência."
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