Uma olhada ao Neoliberalismo desde as panelas feijão e arroz

Por acaso, não faz muito tempo, numa conversa com uma senhora, aparentemente na terceira idade, puxando um carrinho na rua, a procura do sustento diário nos lixos da cidade, abriu-se uma prosa que se deu a partir de perguntar, se ela pertencia algum grupo organizado de catadoras ou era independente. Palavra vai, palavra vem, apareceu a palavra neoliberalismo. Aí ela diz:
"Eu nem sei que é isso, mas espero que seja algo para melhor". Então perguntei: "Por que, está feia a coisa?". Respondeu: "Feio está desde que me conheço, mas nem falar dos tempos de criança, que vivia com  meus pais e meus avós trabalhando na roça"."Assim é a vida, primeiro pelos filhos, depois pelos netos."
A prosa continuou, no relato transitando quase um século de tragédias da vida familiar, a qual não vou me deter nesse momento, mas sim, desenvolver interpretativamente traços da resposta como significativa e paradigmática de milhões que habitam de forma invisíveis sobre estas terras.
E nem sequer sabem quanto importante foram e são, e o quanto contribuem para o poder e a riqueza existente no país e no mundo. Comecemos decifrando a mensagem, que de acordo com meu imaginário estaria intrínseco no subjetivo de seu manifesto. Ela recorre ao adjetivo "Feio" denunciando de forma metafórica uma condição socioeconômica, não confortável desde um referencial indefinido, prosseguido de um predicado de forte afirmação comparativa com um passado familiar sequencial de sacrifícios, ao comentar que antes seria mais desfavorável, do que no seu "Feio do presente plano, como mulher, mãe e vó", de origem migratória campo periferia da cidade.
Se voltamos a sua primeira manifestação espontânea, deixa exposto o mais importante do diálogo, que foi constatar o notável estado de sua esperança, diante um elemento desconhecido e o sinal da disposição em manter sua resistência ao desfavorecimento econômico e a coerção da imposta Patriarcal.
Desta simples experiência, surge desordenadamente memórias, indignações, conhecimentos, causas e efeitos pelas histórias vividas e presenciadas, as quais brotam abraçadas aos saberes parcialmente adquiridos, puxando uma resposta imediata, minada de impotência e rebeldia, que só encontra o ápice equilibrante do emocional e a razão a partir do comparecimento do sentimento e a práxis solidária.
Esta simplificada ilustração simbólica atemporal, manifesta-se incontestavelmente como produto da desigualdade socioeconômica induzida, e não de um acidente da natureza da espécie humana, nem um desígnio "Divino". Afirmativamente é resultado das práticas de um sistema dominante, se prevalecendo de seus poderes consolidados, contraditoriamente na força produtiva dos mais desfavorecidos, submetidos a exploração e a miséria.
Neste contexto, de forma radical, tenta-se trazer ao cenário popular uma explicação parcial, reflexiva
do vínculo inexorável entre riqueza e pobreza com ou objetivo de encurtar a distância entre causa, consequência e sua culturalização criminalizante.
Então tomaremos um simples elemento, que pode nos ajudar a compreender de forma gráfica e corroborar os conceitos aqui afirmados, sobre a criminalização da pobreza e a apropriação de suas riquezas, como modelo paradigmático em todas as áreas de exploração Capitalista.
Este elemento será a chamada "latinha", uma embalagem bem conhecida por todos nós, produzida a partir da extração do mineral Bauxita, onde seguidamente é processado industrialmente para a retirada do alumínio entre outros minerais e funções.
Duas ações que tomaremos como primeira ação exploratória da força de trabalho aplicada e suas logísticas aleatórias. Seguidamente será transportado as plantas de processamento das laminadoras, as quais a sua vez encaminharão o material processado a indústria modeladora e seu posterior envio ao destino requerente, para o uso previsto de variados conteúdos em sua maiorias líquidos. Os quais previamente serão objeto de Marquetização publicitária, com destino as prateleiras, consumidor, lixo.
Se tomamos atenção no caminho integral da simples latinha até sua chegada ao descarte, acharemos uma extensa cadeia exploratória da força de trabalho, no qual aqui no Brasil se reproduz de forma considerável na reciclagem, que alcança mais de  90% , o qual retorna ao mercado sem o custo gerado pela extração mineral.
Maiores responsáveis por este ciclo quase contínuo da reincorporação do produto a cadeia produtiva são as populações mais desfavorecidas e submetidas a pobrezas limites, geradoras de cifras bilionárias para as mega corporações mineradoras e industriais aliadas ao campo financeiro globalizador. Como exemplo podemos citar a Norsk Hydro e a Ball-Corp.
Este ensaio demostrativo pretende focalizar ampliando a importância dos efeitos contraditórios de uma simples ação pela sobrevivência dentro do mundo Capitalista, sem desconsiderar a relevância dos aspectos positivos da reciclagem como vitais na redução dos danos ambientais provocados pelos negativos gerados ao ecossistema e as populações atingidas pela mineração e seus aleatórios
contaminantes.

Abaixo uma ilustração do ciclo da reciclagem da "latinha":



Elementar paisagem oriunda do trânsito pelos labirintos das extremidades incongruentes com a dignidade humana, provocadas por um sistema que tenta legitimar a riqueza e a pobreza como
elementos de um sistema binário, culturalizante da propriedade privada, como um bem natural
adquirido de forma ética e paradigmática a ser reproduzido. Quando na realidade faz parte da prática delitiva da exploração apropriadora do tempo de vida e o resultado do esforço físico intelectual que transforma nossa existência em um componente no índice do custo produtivo.


1 Operário = 10 Cadeira x dia x 20 dias = 200 Cadeiras x R$ 50 cada = R$ 10.000,00
10 Operários =100 Cadeira x dia x 20 dias = 2000 Cadeiras x R$ 50 cada = R$ 100.000,00
1 Operário = salário R$ 600 x 20 dias x 10 Operário  =  R$  6.000,00
Custo matéria prima= R$ 25,05 cada x 2000 = R$  50.100,00
Total venda R$ 100.000,00 - R$ 6.000 salário Operários - custo R$ 50.100,00 = R$ 43.900 Patrão.
Quadro expositório fundacional da praticas exploratórias desprovido das complexidades evolutivas
e suas especulações, intrínsecas na culturalização continua do Capitalismo sobre as sociedades.

Apontando ao Leitmotiv conclusivo transmitido pela ação de uma mulher catadora e o interesse invocado da catação prioritária de latinhas para reciclagem como sustento da sobrevivência familiar.
Nos convoca a pensar, partindo desde o culturalizado hábito do preconceito discriminante da sociedade, batendo sobre a dignidade desta/es trabalhadora/es a procurar uma resposta dentro do campo das contradições.
Brasil, tomado das estatísticas dos últimos tempos, chegou a reciclar via esta ação individual ou organizada, mais do 98% do volume de venda ( latinhas ) que oscila na ordem de 200 mil toneladas.
O qual, o lucro arrecadado pelas transnacionais intervenientes com seus investimentos tecnológicos, compõem o PIB ( produto interno bruto) nacional, o que também indica necessariamente que este volume bilionário se agregará, de forma inevitável, a política da especulação financeira, seguindo o planejamento da financeirização Neoliberal global, estimulante da austeridade fiscal dos estados e o rentismo do lucro produtivo empresarial.
Na sequência, ao não ter reinvestimento desse lucro originado do sistema exploratório do empresariado industrial, se origina o desemprego, a baixa do consumo, menos latinhas no cesto do lixo para dona catadora, e assim umas das principais acionistas do PIB e ou PMB ( produto mundial bruto) será retribuída com mais miséria, redução da assistência pública básica, somada a clássica discriminação social, vindo de quem desfruta do ócio parasitário de seu esforço.
No entanto, em particular aquela dona catadora, vindo da prosa acidental, hoje faz parte de uma cooperativa, associando sua força de resistência histórica a outras e outros semelhantes, que compreenderam a importância de se organizar e se integrar a ação direta planejada, tentando reduzir as consequências da exploração econômica, junto a recomposição da autoestima historicamente apedrejada pelo alienamento social.   

    




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