Raúl Zibechi
25 abril 2020
(publicada em TR 27abr2020)
(publicada em TR 27abr2020)
“Não
queremos tuas doações. Não queremos teus insumos disfarçados de
intenções de exploração”, disse o comunicado dos comuneiros e
autoridades de rondas campesinas, das províncias de Huancabamba e
Ayabaca, na região de Piura, norte do Peru.
Foi
desse maneira que, em
21 de abril, as comunidades afetadas pela empresa
Río Blanco
Cooper S.A., rejeitaram a manobra da mineradora que há anos pretende
entrar
nesta região e
que agora se aproveita das necessidades para dividir a população.
O comunicado destaca que a empresa “disfarça suas verdadeiras intenções através de doações”, já que “desde que chegou a nossa província só tem trazido morte e agora vem promovendo perseguições e abrindo processos contra nossos dirigentes”. Declara que os medicamentos que doam “não servirão quando contamines nosso meio ambiente e nossas águas”, e que a roupa que querem doar “não servirá quando destruas nossos bosques de neblina”.
O comunicado destaca que a empresa “disfarça suas verdadeiras intenções através de doações”, já que “desde que chegou a nossa província só tem trazido morte e agora vem promovendo perseguições e abrindo processos contra nossos dirigentes”. Declara que os medicamentos que doam “não servirão quando contamines nosso meio ambiente e nossas águas”, e que a roupa que querem doar “não servirá quando destruas nossos bosques de neblina”.
Além disso,
responsabiliza a mineradora Rio Blanco “pelas
ações que realize
cada base ou
central de segurança
contra seus promotores na zona, que devem estar em sua
casa e não
dividindo nossa população”.
Raphael
Hoetmer, que tem acompanhado as resistências e marchas dos
comuneiros de Ayabaca, reflete ao
telefone sobre a importância das planícies e dos bosques de
neblinas para o abastecimento d’água de Piura e Cajamarca: “É
uma zona de forte organização camponesa,
com segurança
autônoma e autogestão da vida. Rechaçam a mineração por que,
ainda que se saibam pobres, querem conservar um modo de vida que lhes
ofereça
bem estar e liberdade, (algo)
que pioraria com a mineração”.
Outra mostra de dignidade é-nos oferecida pelas comunidades de Morona Santiago (Equador), que são denunciadas pela mineradora Explorcobres por haver atacado o acampamento La Esperanza em 28 de março. Sempre segundo a empresa, os comuneiros (que acusa de “delinquentes”) tomaram os acampamentos e “queimaram várias instalações, equipamentos e um veículo” (comunicado em https://bit.ly/2Vxgt2w).
Também no Equador, a comunidade San Pedro Yumate, que resiste à mineradora Río Blanco no Maciço de Cajas, a uma hora de Cuenca, instalou segunda-feira sua terceira barreira na estrada Cuenca-Molleturo-Naranjal, (organizando) uma minga (concentração típica popular) para impedir a passagem de carros e pessoas não-autorizadas pela assembleia comunitária, (conforme) nos escreve Paul desde seu momentâneo confinamento entre os Shuar, na Amazônia.
Enquanto as mineradoras destróem vidas, contaminam águas e montes pondo em risco a continuidade das comunidades, os camponeses e indígenas não agrediram nem atacaram nenhuma pessoa, somente as instalações das empresas multinacionais.
Seguimos na região andina. O companheiro e antropólogo Rodrigo Montoya envia-nos um texto maravilhoso, intitulado “Aqui termina Lima”. Relata que milhares de habitantes de Lima, que há anos atrás migraram de diferentes províncias andinas, realizaram una marcha de retorno a seus povoados. “Não se tratava de manifestantes (indo) rumo a uma praça pública para protestar”. Tinham em comum seu desejo de ir embora da megacidade.
Outra mostra de dignidade é-nos oferecida pelas comunidades de Morona Santiago (Equador), que são denunciadas pela mineradora Explorcobres por haver atacado o acampamento La Esperanza em 28 de março. Sempre segundo a empresa, os comuneiros (que acusa de “delinquentes”) tomaram os acampamentos e “queimaram várias instalações, equipamentos e um veículo” (comunicado em https://bit.ly/2Vxgt2w).
Também no Equador, a comunidade San Pedro Yumate, que resiste à mineradora Río Blanco no Maciço de Cajas, a uma hora de Cuenca, instalou segunda-feira sua terceira barreira na estrada Cuenca-Molleturo-Naranjal, (organizando) uma minga (concentração típica popular) para impedir a passagem de carros e pessoas não-autorizadas pela assembleia comunitária, (conforme) nos escreve Paul desde seu momentâneo confinamento entre os Shuar, na Amazônia.
Enquanto as mineradoras destróem vidas, contaminam águas e montes pondo em risco a continuidade das comunidades, os camponeses e indígenas não agrediram nem atacaram nenhuma pessoa, somente as instalações das empresas multinacionais.
Seguimos na região andina. O companheiro e antropólogo Rodrigo Montoya envia-nos um texto maravilhoso, intitulado “Aqui termina Lima”. Relata que milhares de habitantes de Lima, que há anos atrás migraram de diferentes províncias andinas, realizaram una marcha de retorno a seus povoados. “Não se tratava de manifestantes (indo) rumo a uma praça pública para protestar”. Tinham em comum seu desejo de ir embora da megacidade.
“A maioria
dos caminhantes era jovem e tinha um
rosto
andino”, escreve Rodrigo, que com
seus quase 70 anos foi estudante da escuelita
zapatista. Trago
essa lembrança
por que é um companheiro que tem feito de seu compromisso uma forma
de vida. Apesar
de não saber
se
(os caminhantes) desejam sair
da capital para sempre, constata tratar-se
de um fato
“talvez, demasiado
importante”.
Vão-se de Lima porque não têm trabalho, passam fome, e por que o individualismo da cidade grande agride seus corações. “Aos viajantes do regresso resta-lhes a reciprocidade do ayni - um dia de trabalho por um dia de trabalho, uma carga de lenha por uma carga de lenha - e a minga - um dia de trabalho por comida, com música, bebida e baile - entre familiares de um mesmo ayllu ou comunidade, como último recurso nas terras altas, ali onde os retornantes “sem vírus” esperam chegar e ser bem recebidos”.
Vão-se de Lima porque não têm trabalho, passam fome, e por que o individualismo da cidade grande agride seus corações. “Aos viajantes do regresso resta-lhes a reciprocidade do ayni - um dia de trabalho por um dia de trabalho, uma carga de lenha por uma carga de lenha - e a minga - um dia de trabalho por comida, com música, bebida e baile - entre familiares de um mesmo ayllu ou comunidade, como último recurso nas terras altas, ali onde os retornantes “sem vírus” esperam chegar e ser bem recebidos”.
Talvez estejamos diante do início de um ciclo invertido, a migração da cidade ao campo, como nos propõem nestes dias os rebeldes de Rojava, “voltar à terra” para “repovoar aldeias rurais”, como diz o comunicado do Comitê de Solidariedade com o Kurdistão da Cidade de México. Sinto que o que estão fazendo uns quantos andinos, é todo um programa para enfrentar o colapso do sistema.
Da região andina vamos até Montevidéu (Uruguai). Ali se produz o que um integrante do governo municipal definiu como “a maior ocupação urbana dos últimos cinquenta anos”. Trata-se de umas mil famílias que ocupam uma enorme área de uma empresa de serviços portuários, abandonada há 50 anos, cujos donos têm uma imensa dívida com o Estado.
A ocupação
começou em janeiro com apenas 28 famílias, em Santa Catalina, a
periferia pobre do oeste de Montevidéu. A necessidade provocou uma
explosão de famílias que decidiram correr o risco e
tomar um terreno privado para superar a precariedade espacial,
o amontoamento em
que viviam.
Na
quinta-feira, 16 de abril, o Ministério
do Interior realizou
um forte operativo com dezenas de policiais,
helicópteros e drones,
detendo cinco
vizinh@s. Duas delas foram processadas com prisão domiciliar.
Na
segunda, dia
20, desafiando a quarentena, entre 50 e cem ocupantes se manifestaram
diante
da casa de
governo. Resistiram ao despejo, tomaram a iniciativa e desafiaram a
quarentena. São
trabalhadores empobrecidos, desocupados, empregadas domésticas,
changarines
(trabalhadores informais), pescadores e até alguns policiais que não
conseguem
sequer pagar um modesto aluguel numa
zona que foi berço do movimento operário.
O advogado Pablo Ghirardo, que representa sindicatos e trabalhou durante vários meses com os ocupantes do bairro batizado de “Nuevo Comienzo” (“Novo Começo”), assegura que o fizeram "por superlotação precária, já que vivem até sete pessoas em um único ambiente onde chove dentro, além da forte especulação imobiliária que torna impagáveis os aluguéis”. Na concentração, portavam faixas em que se lia “Terra para quem nela mora” e “Não nos condenem por sermos pobres” (https://bit.ly/2S0LFVK).
O advogado Pablo Ghirardo, que representa sindicatos e trabalhou durante vários meses com os ocupantes do bairro batizado de “Nuevo Comienzo” (“Novo Começo”), assegura que o fizeram "por superlotação precária, já que vivem até sete pessoas em um único ambiente onde chove dentro, além da forte especulação imobiliária que torna impagáveis os aluguéis”. Na concentração, portavam faixas em que se lia “Terra para quem nela mora” e “Não nos condenem por sermos pobres” (https://bit.ly/2S0LFVK).
No bairro funciona um refeitório com doações de vários sindicatos e vizinhos solidários. Delinearam as futuras ruas e deixaram lugar livre para espaços coletivos e salão comunitário. Estão tão bem organizados que a polícia não pôde despejá-los. A estaca que, num dia de janeiro uma vizinha colocou para marcar seu espaço em um terreno baldio, multiplicou-se até converter-se num bairro.
Jorge Zabalza qualifica a ocupação massiva como “uma explosão social como a que iniciaram aqueles estudantes que pularam as catracas no metrô de Santiago de Chile”. Centenas de milhares são expulsos pelo modelo extrativista para as margens da cidade. Para Zabalza, “a iniciativa individual que se tornou uma avalanche coletiva permite-nos adivinhar a existência de um imaginário que antecipa futuras rebeliões populares” (https://bit.ly/2KwB4Ou).
Parabéns pelos textos e pela página.
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